ao Álvaro
"Apaga a luz. Guarda-me os óculos. Obrigado.
Como se chamava o homem da lavandaria,
o que trazia sempre a roupa trocada
e um dia trouxe uma camisa dele próprio
e a deixou ficar lá em casa mais de um mês
à espera que a mandássemos outra vez para lavar,
a ver se a recuperava?
(Ao fim de cinco semanas,
a mulher perdeu a paciência
e veio por ele e pela camisa, que ainda
estava dentro do saco de plástico
no guarda-fatos: era igual à minha, azul,
talvez de um azul menos óbvio mas, de qualquer modo, azul).
Lembrei-me dele porque
quando morreu tu disseste:
'Coitado, pode ser que acerte
com o caminho do céu!'
Tinha uns óculos de lentes grossíssimas,
e não me admiraria que a sua morte
tivesse sido, mais que morte, algum erro de paralaxe.
Agora, sem óculos, como saberá ele
se está vivo ou se está morto?"
Manuel António Pina
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